quinta-feira, 19 de abril de 2012

Tripes à moda do Porto V



Quando a Democracia deixa de ser do povo... deixa de ser Democracia!

- Grupo de activistas expulsos de escola deixada ao abandono, que servia desde há um ano de quartel general para centro social independente, formado por meros... cidadãos!

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Perguntas Frequentes (ou não) V



Breve questão: porque é que o Partido Socialista tem tudo... menos socialistas?

- ou eu tenho andado a tentar perceber o que é o Socialismo nos locais errados?

sexta-feira, 30 de março de 2012

O gueto da Educação



Vai mesmo ter que ser...

Prestes a entrar no terceiro mês, dos cerca de 20 que me esperam até ao fim do curso, já perdi a conta às vezes que discuti a questão da indisciplina nas escolas. Fosse com os meus companheiros de curso, fosse com os meus professores, fosse com os professores dos outros, já deu mesmo para tema duma reflexão por escrito, no módulo que diz respeito à Língua Portuguesa, da professora Sandra Carvalho.

Entre várias coisas, e tendo muito em conta o que fui ouvindo, especialmente do lado do corpo docente, houve um ponto que desde logo me intrigou, e que me fez, precisamente, escrever esta nota. Não só pelo seu teor, mas principalmente por uma notícia entretanto colocada em circulação. Segundo o que pude entender, ao contrário do que se passava lá para o fim da década de 90, do século passado – bolas, estou a ficar cota... – o aluno que perturba a aula, nos dias que correm, já não 'vai para a rua'. A técnica, agora, é juntar os putos todos numa sala pensada para o efeito, durante o tempo previsto para a aula da qual foram expulsos.

Os pontos de interrogação começaram logo a borbulhar na minha massa encefálica, como de pipocas se tratassem. Qual é o professor que, no seu perfeito juízo, se voluntaria para comandar a turma dos desalinhados? Ou o pobre coitado é simplesmente nomeado? Se o é, qual o critério de selecção para tão nobre função? E estes profissionais da educação, têm algum tipo de formação extra, de forma a poder lidar, não com um, não com dois, mas com todo um regimento desses, que não têm lugar junto dos que 'sabem estar'? Ou estes são apenas depositados, transformando aquele espaço numa espécie de gueto? Será que lhes é atribuída, também, uma braçadeira que terão de usar desde que entram no estabelecimento de ensino, até que saem?

Duas palavrinhas: efeito prático! Qual? Onde está? Isto tem resultado? Sim, pelos vistos tem. Este método deve estar a funcionar tão bem, que o nosso Ministro da (des)Educação quer estender o programa aos maus alunos. Não chega segregar os mal comportados, há que separar também aqueles que não têm boas notas. Tenho-o dito muitas vezes e não me canso: Darwin, se pudesse estar hoje a estudar a evolução da espécie, de certo não acampava nas Galápagos, levava um saco cama ali para o Terreiro do Paço, e ia tirando umas notas. No país dos ricos, saudáveis, inteligentes e alinhadinhos com o sistema implantado, seja ele de que espécie for. Qual raça pura...

O argumento: exigência. O exemplo: as escolas privadas, que, pelo que pude saber, já o fazem em certas cadeiras. Não querendo ser preconceituoso, aqui separam-se, quanto muito, os bons dos muito bons. E ao que parece, na maioria dos casos, nem sequer se pode falar em separação, mas em aulas extra! De todo modo, não deixa de ser curiosa, a proveniência do exemplo... a medida é conhecida como 'Grupos de Nível'. De nível...!
Entre outras, parece que também está em cima da mesa o fim da componente cívica, no ensino secundário. É que isto da malta nem sequer votar, quanto mais cumprir os restantes deveres cívicos, dá um certo jeito, nomeadamente a quem tem presença assídua a cada sufrágio.

Bom, mas o meu compromisso foi o de escrever sobre a indisciplina, mas duma forma mais pessoal e personalizada, ao contrário do trabalho feito para o curso. Só não o posso fazer agora, porque estou precisamente... numa aula. E não vá eu ser enfiado na sala dos renegados, porque continuo a não saber estar, é melhor parar por aqui, e, um dia destes, farei uma versão mais agressiva de «O sistema de ensino sob o olhar dum indisciplinado de 30 anos».

sexta-feira, 2 de março de 2012

Tripes à moda do Porto IV


Como não há orçamento para contratar o Reininho para a publicidade do melhor jornal de todos os tempos, todos os tripeiros são poucos para divulgar o Jornal das Boas Notícias!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Perguntas Frequentes (ou não) IV



Breve questão: porque não declarar que o Carnaval é todos os dias, sem tolerância de ponto?

 - é que foi o único dia que me lembro em que só o Parlamento é que trabalhou! Apesar da blasfémia que é, neste caso, o emprego da palavra 'trabalho', não me parece nada má ideia! (fiquei foi curioso sobre qual o custo de ter milhares de departamentos públicos abertos sem qualquer afluência).

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Nem com Viagra, sr. Silva!




E não é que o homem quer mesmo aprender qualquer coisinha? Eu cheguei a pensar que ontem Cavaco Silva teria cancelado a sua visita à escola António Arroio a fim de contribuir para a natalidade nacional. Assustei-me, confesso (mais um(a)...!?), mas como não me acredito nessas teorias da conspiração que afirmam que o cancelamento se deveu a protestos que decorriam naquela escola, lembrei-me que talvez alguém lhe tivesse dado a resposta à questão colocada há uns meses: 'o que é que é preciso fazer para que nasçam mais crianças em Portugal?'. Mais tarde cheguei à conclusão que, dada a idade do Presidente, talvez tivesse receio de receber conselhos da juventude, e reparar que já não pode fazer muito pelo problema em causa. Ou pelo menos que não tenha pedal para os receber de jovens com as hormonas a explodirem por todos os poros.
Mas ele insiste! Desta vez à porta fechada, qual Loja Maçónica dos Ensinamentos Para o Sexo Reprodutivo, por-favor-não-protestem-quero-falar-de-bebés! É só para 'especialistas'. Chamou mesmo alguns internacionais, visto que esta 'especialidade', em Portugal, condiz com qualquer outra 'especialidade' tuga: baixa produtividade (será que aqui o segredo também passa por exportar?). Ele aparenta querer mesmo aprender a fazer bebés.
Mas o sr. Presidente da República ainda não percebeu que o segredo para a eventual prosperidade portuguesa está... em deixar de haver portugueses? Esta latrina, sobre a qual o sr. teve uma pesada influência nas últimas décadas, não é para ninguém! Se os números da natalidade em Portugal são preocupantes, retire as gravidezes indesejadas, retire as irresponsáveis, e faça uma contabilidade séria do problema. É que este não reside na falta de sexo, sr. Presidente... e desta, juro que falo com conhecimento de causa: 10 anos, sr. Presidente. 10 anos a viver em União de Facto e há uma (e apenas uma, lamento) testemunha fortíssima em como falta muita coisa lá em casa, mas sexo ainda não paga imposto, logo usamos e abusamos de tudo o que está isento de IVA ou IRS... filhos? Nem vê-los! E olhe que não preciso de juntar 'especialistas' num palácio em Cascais para saber como se fazem.
O desemprego, o oficial, não pára de aumentar – 14%, dizem eles. Os números da precariedade são ainda mais assustadores. O abono já nem encaixa na definição 'ridículo'. A forma como as mulheres são pressionadas, ou mesmo perseguidas, nos seus postos de trabalho... a obrigatória (e ilegal) pergunta 'tem ou deseja ter filhos em breve?' a cada mulher que vai a uma entrevista. A redução de ordenados, a facilitação dos despedimentos, blá blá blá, todos aqueles pontos assinados na última concertação social, que o sr. Presidente afirmou perante instâncias internacionais, que faziam inveja a muitos países. É preciso fazer um desenho, sr. Professor? Especialistas? Especialista é a Marta Crowford!
Nós temos uma tendência natural para falarmos das nossas reformas através de expressões como 'é o meu dinheiro, descontei anos para o ter lá'. Mas todos sabemos que isto não corresponde à realidade. A sua pequenina reforma é garantida por quem desconta actualmente (para não dizer que é pelos 78 mil M€ do tal 'empréstimo'). Porquê? Porque o sr. e os da sua geração derreteram tudo o que havia e não havia, e os cofres da SS estão cheios... de ar e vento! E agora, que começamos a ver que não vai haver quem garanta, por exemplo, o dinheiro que eu desconto todos os meses para pagar, por exemplo, a sua pequena reforma, precisamos de justificar à tal geração, a rasca, o que é que a outra geração, a 'no meu tempo é que era', fez à guita toda.
Engendramos aí um esquema (à porta fechada) para mostrar ao mundo a gigante preocupação que temos com a natalidade no país. Não sei como é que explicaremos o porquê desta preocupação, quando insistimos que a solução para a juventude é emigrar, mas depois fazemos outra conferência noutro palácio qualquer para discutir como é que eles voltam. Para mostrarmos que estamos muito preocupados. Não sou letrado. Leio pouco, muito pouco. Mas sei que Saramago um dia o classificou de 'génio da banalidade'. E esse não era ignorante. Nem lia pouco.
O sr. Silva não acredita «que tenha desaparecido nos portugueses o entusiasmo por trazer novas vidas ao mundo». Não, não desapareceu. O que apareceu agora foi a grande depressão dos portugueses aos quais lhes é cortado esse entusiasmo! E não é preciso ser-se especialista para perceber que este entusiasmo que murchou... nem com Viagra lá vai!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Tripes à moda do Porto III



Utentes exaltados partiram a pontapé as divisórias de vidro dos serviços da Segurança Social da Loja do Cidadão do Porto, na Torre das Antas. São tripes... tripes à moda do Porto!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Perguntas Frequentes (ou não) III



Breve questão: se eventualmente a Grécia sair da zona Euro, o que é que vão fazer ali ao 'EYPΩ'?


- Sendo que a Grécia é o único país com uma designação exclusiva nas notas de €uro, saindo da moeda única não faz lá muito sentido manter-se o desenho... devia tirar-se todas as notas de circulação matando o EYPΩ assim como outrora se fez ao Pessoa, com as notas de 100$00


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O Eremita da Ervilha




O tempo tem sido escasso para poder escrever um pouco. De repente vi-me em braços com dois empregos, mais o regresso tão esperado à escola. Só que hoje, na sua crónica diária na Antena 1, 'Pano para mangas', João Gobern trouxe um tema interessante, que acho que deve ser mais divulgado!
Não é a primeira vez que tenho dois empregos ao mesmo tempo. Há uns quatro anos atrás trabalhava como estafeta numa pizzaria no Porto, ao mesmo tempo que era operador fabril a turnos rotativos numa empresa da Trofa. A vida era puxada e as refeições, quando existiam, eram de qualidade suspeita e a horas que não lembram ao diabo (do género tomar o pequeno almoço às 4 da tarde, ou jantar às 4 da manhã...). Algumas delas foram feitas entre entregas. Umas sandes daquelas que, chegados aos 40 anos, nos forçam a beber iogurtes-medicamento, tipo Actimel com bifidus activus ou aloe vera. A verdade é que ao fim de 2 anos qualquer coisa que não fosse pizza servia para desenjoar, de maneira que, quando calhava uma entrega ali para a zona do Liceu Garcia de Orta / Av. Antunes Guimarães, era prática habitual parar no Pingo Doce da Praça D. Afonso V, e comprar a matéria prima para mais um jantar-toca-a-subir-o-colesterol (se eventualmente um cliente vier a ler isto, esteja descansado que era sempre no regresso à pizzaria, sou muito profissional nesta arte de estafeta, ainh...!).
Certo dia, neste mesmo estabelecimento daquele supermercado holandês – que de resto ouvi dizer que melhorou substancialmente a sua prateleira de chás e ervas naturais – um homem tenta sair com um shampoo e um polvo sem pagar, mas é parado pelo segurança e a sua tentativa de furto não passa disso mesmo. Até aqui tudo normal, o homem obviamente devolve a fortuna de 25,66€ que valiam os produtos, e acaba sem a sua refeição e com uma ou duas rastas novas. Mas para os holandeses isto é demasiado grave para ser ignorado. Visto ter sido provado que o material (quase) roubado não servia para satisfazer necessidades básicas, o mesmo supermercado que vende leite abaixo do preço de custo, prática ilegal, para quem não saiba, não desiste da acusação apresentada ao Ministério Público, sob o argumento que, e passo a citar, «quem tem um negócio de portas abertas ao público, como é o caso, está particularmente vulnerável ao pequeno furto e não pode deixar de agir, sob pena de dar sinais errados à comunidade».
O homem incorre numa pena não superior a cinco anos de prisão, que será, ao que parece, substituída por trabalho comunitário (ou pelo pagamento de 250€ - o polvo está caro e o shampoo era dum professor qualquer com assinatura pomposa e cabelo à Richard Gear). Mas há um problema... ninguém sabe como notificar o arguido! E porquê...!? Não, não fugiu para o Brasil. Não, não é primo do Vale e Azevedo... simplesmente não tem morada! A última vez que foi visto ocupava um prédio abandonado, mas pode muito bem ter sido estadia de apenas uma noite, visto tratar-se nada mais nada menos que de um sem abrigo. Sim, perceberam bem, o sinal correcto a dar à comunidade é encher os tribunais com casos de pessoas na miséria que tentam roubar comida... e shampoo.
Ao ouvir Gobern na sua crónica lembrei-me dum senhor que vagueava muito aquela zona. Obviamente não sei se é dele que se trata, mas como era habitual ele ir tratar da sua higiene diária ali ao Lavadouro da Ervilha, junto à Praça do Império, e como o pobre coitado foi apanhado com um shampoo, talvez seja mesmo o Eremita da Ervilha, como eu o costumava nomear de cada vez que me imaginava a escrever sobre tão mítica figura local, detentora das mais variadas e tresloucadas lendas urbanas – havia quem dissesse que ele era podre de rico, mas queria viver na rua. Haviam os mais românticos que apontavam para desgosto de amor... eu sempre preferi não saber a verdade, dava-lhe um certo estatuto aqui no meu imaginário.
Cheguei a dar-lhe algumas moedas provenientes das gorjetas angariadas nas corridas-margaritas, precisamente no parque de estacionamento em frente a este Pingo Doce, numa ou outra odisseia de troce-destroce, daí achar que pode mesmo tratar-se do Eremita da Ervilha. Seja como for, sendo ele ou não, dá-me quase um desejo que consigam notificar o homem. E que não substituam a pena por trabalho comunitário (a menos que seja numa caixa do Pingo Doce...). É que se prenderem o Eremita durante uns tempos fica o prémio de consolação de saber que parte da TSU do grupo Jerónimo Martins será aplicada para dar um tecto e refeições quentes e diárias ao sem abrigo. É possível que o Lavadouro da Ervilha seja mais aprazível que os balneários de Custóias, mas pelo menos não terá que roubar shampoo durante uns tempos.

Ao grupo, e pela segunda vez neste recém nascido blogue: shame on you!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Perguntas Frequentes (ou não) II



Breve questão: porque é que não recebemos todos uma reforma por cada emprego que já tivemos?

- Nunca percebi muito bem porque é que em determinados cargos, por norma daqueles que mais deviam dar o exemplo, recebem pensões quando ainda estão no activo, e distantes da idade normal para a reforma. Não é que se possa definir o emprego do prof. Aníbal Cavaco Silva como 'activo', e de resto ele até abdicou do seu reduzido ordenado, mas não me importava nada de receber um ordenado mínimo por cada empresa em que trabalhei. Parecendo que não facilitava-me a vida, ainda que... mesmo assim, provavelmente não cobrisse as minhas despesas.

«Eu disse 'viragem', não disse que era para melhor!»



Está prestes a fazer um ano que Teixeira dos Santos definia um tecto máximo para os juros das obrigações do tesouro. Dizia o ministro das finanças de Sócrates que, chegados à fasquia dos 7%, Portugal teria que recorrer ao FMI para se poder financiar, como acabou por acontecer pouco tempo depois. Pedimos ajuda, tivemos eleições antecipadas. O que tenho achado da actuação do governo eleito já o disse, hoje gostava de focar este número: 7%. Por alturas de campanha eleitoral, segundo o partido vencedor, bastava que o governo socialista caísse para que as taxas de juro descessem, e para que as agências de notação subissem o rating da República, teriam que ser aplicadas as suas reformas. Pois bem, na passada semana, cuja actualidade foi esmagada pela concertação social e pelo acidente na costa italiana (não esquecendo o facto das dificuldades financeiras já terem chegado ao bolso de Cavaco Silva), três acontecimentos fizeram-me recordar todo este primeiro parágrafo:

- o BdP divulga os Indicadores de Conjuntura onde consta que a actividade económica do país no mês, por norma, mais activo no que diz respeito ao consumo, cai 3,4%, fazendo de Dezembro de 2011 o pior mês desde que há registo (Janeiro de 1978).

- os juros da dívida a 10 anos chegaram muito perto dos 14,6% (mais do dobro da meta traçada, atingindo assim um tecto máximo desde a entrada da moeda única).

- a agência de notação S&P baixou o rating de Portugal para o titulo já muito famoso, 'Lixo'.

Lembro-me de conversas que tive em Novembro, uma mais acesas que outras, com alguns representantes fortes e orgulhosos da Grande Loja Maçónica do Carneirismo Lusitano, que se mostravam indignados pelas notícias que chegavam aos nossos meios de comunicação dando conta que os portugueses, neste Natal, gastariam mais que os manos alemães. Nunca percebi como é que se fazem contas ao que 10 milhões de pessoas vão gastar daqui a um mês, provavelmente o método de recolha de dados é muito semelhante ao das sondagens para as eleições. E honestamente também não faço ideia se entretanto já alguém fez a autopsia ao corpo, a fim de confirmarmos (ou não) a tese, mas também não me parece importante. Aliás, cada vez me sinto mais enojado com comparações da ordem económica com os países do centro e do norte da Europa (por que raio é que não começam duma vez a comparar-nos com os países sub-desenvolvidos?). O que está à vista de qualquer um que se dê ao pesado trabalho de desligar por momentos a televisão, e falar com os amigos, com os familiares, colegas, conhecidos, vizinhos... é que cada vez mais as pessoas se retraem ao consumo! É duma clareza gritante!
Isto, conjugado com o facto de pagarmos progressivamente mais caro pelo dinheiro que pedimos emprestado, atingindo máximos históricos com uma frequência preocupante, dá-me cada vez mais a certeza de que será impossível pagar esta dívida, remetendo-me a dar razão, muito provavelmente pela primeira vez, ao filósofo de formação francesa, quando diz que pensar em pagar a dívida é ideia de criança. E é de facto das ideias mais naifes que se entranhou na sociedade nos últimos tempos! E só para relembrar, em meados de Abril de 2011, 14% era a média dos juros da dívida grega, e por essa altura, o seu risco de incumprimento já rondava os 70% (por cá, na semana passada, o risco de Portugal não cumprir atingiu os 66,78%). Não relembro este facto à toa: a questão é que, três meses depois da Grécia ter chegado a estes valores, as instâncias internacionais decidiram aprovar um segundo pacote de resgate ao país. Presentemente estão a negociar o perdão de metade da dívida. Dir-me-ão que 'Portugal não é a Grécia'. E não é, mas tendo em conta todo o crescimento económico português, em paralelo com a diminuição do desemprego (consequência garantida da próxima actualização do Código de Trabalho)... não seremos a Grécia mas não vamos andar muito longe!
No entanto, segundo o ministro encantador de carteiras, '(...) tivemos um sinal de que podemos estar a aproximar-nos de um ponto de viragem'. Faz lembrar o clássico passo em frente de João Pinto, quando o F.C. do Porto se encontrava à beira dum precípicio... para Vitor Gaspar, momento de viragem é vendermos dívida do Estado a vencer em Junho deste ano, quando os investidores têm toda a garantia de cobertura pelo dinheiro vindo da troika!


ADENDA: e não é que, dois dias depois deste post...
(oh Gasparzito, até podes iludir a carneirada tuga, mas dificilmente passas disso!)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Perguntas Frequentes (ou não) I



Breve questão: porque não implantar um cartão VISA para monitorizar o banco de horas individual?


 - Se o trabalho pode ser pago em horas (mesmo para os que como eu nem usam relógio), porque não criam condições para que mais tarde possamos usar essas mesmas horas para pagar, assim como nos pagaram a nós, a conta do supermercado? Talvez assim se dinamizasse a economia, e este 'acordo' assinado ainda há pouco não fosse visto como um golpe assim tão duro aos trabalhadores.
Não me parece nada mal ir ali ao Continente ou ao Pingo Doce comprar 5 minutos de batatas, ou 2 dias de costoletas!

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Concertação Social



Citando o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: concertação (concertar + -ção)

- Acto ou efeito de concertar ou conciliar. Harmonizar, decidir por acordo comum. Concordar.

- Concertação social: diálogo ou discussão entre o governo, as organizações sindicais e as organizações empresariais sobre assuntos sociais e laborais, com objectivo de estabelecer acordos ou consensos.

Que não hajam dúvidas acerca do significado da palavra 'concertação'. E dizer-se, depois de concertado, que este é um acordo penalizador para os trabalhadores, não lhe muda nem um bocadinho esse mesmo significado. Para além de que não acrescenta nada ao que já era óbvio para qualquer trabalhador. Assim, de um lado temos uma intersindical que abandona as negociações, do outro temos uma que, 'com muita pena nossa' concerta em nome do proletariado - já há quem chame a João Proença o Francesco Schettino português... não podia estar mais de acordo!






A táctica foi perfeita: andaram meses a anunciar o genocídio dos direitos laborais, partiram duma base falsa e inexistente, para no fim concertarem 'o melhor que se conseguiu'... e já foi bom, bem vistas as coisas!

Vejamos então o que é que realmente estava avariado, e portanto a necessitar de 'concerto'. A par com uma maior facilidade em despedir, seja por inadaptação, seja por baixa de produtividade ou não cumprimento de objectivos contratuais, as três partes acordaram em descer o valor das indemnizações, mesmo para os casos em que o trabalhador pede a resolução do contrato com justa causa, devido a incumprimento da empresa, ou até despedimento sem justa causa. O custo das horas extraordinárias descerá para metade e dar-se-á a possibilidade à entidade patronal de aumentar a cota do banco de horas. Colocaremos todos os contribuintes a ajudar os patrões a pagar ordenados miseráveis, permitindo que os desempregados recorram a fundos da Segurança Social para compensar uma 'possível' diferença entre o oferecido como novo vencimento, e a sua prestação de desemprego. Claro que esta medida vem com uma alínea que diz algo como «se depois o contrato cessar, os desempregados podem voltar a receber o subsídio, mas o período de acumulação é descontado no prazo de atribuição».

Eu não me quero alongar em contestações ou críticas. Gostava apenas de conseguir entender dois pontos fundamentais. A primeira prende-se com o facto de não conseguir encontrar onde está a parte do acordo que fala nos sacrifícios e contribuições da parte das empresas – falam tanto em acordo tripartido, mas no meu ponto de vista ele é unilateral, e só o uso da palavra 'acordo' é no mínimo cómico. Ou estão a deixar o melhor para o fim, ou essa parte da concertação escapou-me!
Em segundo, e mais importante ainda... quem será o responsável por garantir que o lucro (ou não despesa) que os empresários passarão a ter, será inteiramente canalizado para a criação de emprego e crescimento da economia? Não era disso que se tratava? Eis algo em que os sindicatos se podiam ter debruçado!... junto com um pacote de sanções para os empresários que, mesmo usufruindo de todas estas medidas, mais as que virão, não aumentarem a sua competitividade nem contribuírem para o decréscimo do desemprego.


(entretanto dei com este esclarecimento público de Rita Garcia Pereira, especialista em Direito Laboral, que não pude deixar de publicar neste mesmo post)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Portugal 'Jamé'!



Por mais do que uma vez, e por via de mais do que um representante do governo, já ouvimos que a solução do executivo para o desemprego é a emigração, particularmente para os licenciados (muitos deles ex-bolseiros, cujo investimento público foi ainda maior).

Mais tarde saiu a recomendação para que se proibisse o consumo do tabaco, não só em todos os estabelecimentos sem excepção, menosprezando totalmente investimentos já feitos, mas também nas imediações dos mesmos, sendo que nem em esplanadas se poderá fumar. Podemos pensar que se esta medida tiver o aval do governo, este está a incentivar tanto fumadores como alguns comerciantes a sair também do país (para não falar, por exemplo, em tabaqueiras e empresas a elas ligadas...).

Ouvindo agora as palavras duma das 'notáveis' do partido que teve a 'maioria', também não há lugar em Portugal para doentes renais que não tenham cerca de 1900€ mensais para pagar a hemodiálise que sustentará a sua vida, particularmente os que já se encontram a cima dos 70 anos.

Fico curioso, por este andar, em saber afinal para quem é Portugal...

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Isto é muito séc. XXI...



Toda a gente reconhecerá o lado cíclico destas crises que vão e voltam, umas mais anunciadas que outras, umas mais austeras que outras, mas a verdade é que para muitos nem chega a haver esse tempo intermédio que lhes permitiria um certo descanso ou recuperação entre crises. Eu cheguei mesmo a escrever, quando falava do meu querido avô, que ele se riria em plenos pulmões, se cá estivesse para ouvir-nos a todos falar de crise de forma tão leviana. Ao neto, principalmente, reservaria dois pares de cachaços, por não ter sequer ideia do que representou nascer e crescer a par da República (ainda com resquícios de Monarquia), ou atravessar duas guerras mundiais, e estar constantemente a queixar-se! Ainda assim confesso que me conforta muito mais a ideia de que esteja ele onde estiver, olha para o neto que mais absorveu da sua presença cá, com orgulho por não se deixar deambular em algo supérfluo ou inútil, por mais inútil ou supérfluo que possa ser estar sempre a mandar postas de pescada para o ar, e sonhar com mudar um mundo que não aparenta querer ser mudado.

Poucos anos antes de nascer o meu avô, morria uma conterrânea sua que teria sido até então, muito provavelmente a mais notável das mulheres portuguesas, e dificilmente terá sido superada até aos dias de hoje, sem desprimor a todas as notáveis deste país: Adelaide Ferreira! (não resisti ao trocadilho...) - D. Antónia Adelaide Ferreira, aka A Ferreirinha. Ela sim, era uma empresária como eu desejava ter na chamada crise (a actual). Enumeras atitudes em enumeras crises haveriam a apontar a esta senhora duriense. Vários pontos da sua verdadeiramente nobre personalidade, apesar da sua persistente recusa em adoptar tal título, serviriam para centenas de posts, nos mais variados contextos. Nem me atrevo a tentar discrimina-los.

Porém, toda esta situação levantada à volta da família Soares dos Santos remete-me à evocação desse nome que ainda hoje paira nos socalcos das margens do rio. Só lhe conheço partes da biografia, mas um dos episódios que hoje me salta à memória é o de uma altura, obviamente de crise profunda, em que todo o Douro é apanhado numa praga que vai dizimando as vinhas ao longo de todo aquele território, em que os ingleses tentam aproveitar-se da intempérie chegando-se à frente para comprar todas as terras por uma bagatela. Ao saber disto, e mesmo antes da doença chegar às suas quintas, D. Antónia decide ser antes ela a comprar as terras de todos os produtores interessados em vende-las, mas como já era habitual na sua forma de estar na vida (sim, porque isto do altruísmo nasce com as pessoas, não há à venda com o 'cabaz família'), a um preço justo, e que não deixasse ninguém na miséria, ou sem pau nem bola, como se costuma dizer cá em cima.

Depois disto descobre umas castas americanas capazes de sobreviver à praga e ordena que sejam introduzidas nas vinhas, a fim de parar o surto. Mais tarde, passada a tempestade, esta patriota a sério, sendo que a sua verdadeira pátria era o Douro, devolve os terrenos aos antigos donos a preços irrisórios, chegando mesmo a doar alguns deles. Ferreirinha era tida como uma das mulheres mais ricas de Portugal, e segundo consta não foi nem aqui, nem noutras iniciativas absolutamente meritórias, que a família faliu. Humilde, solidária, conservadora, trabalhadora, empreendedora e... dona duma fortuna incalculável... sim, afinal é possível... e cá em Portugal!

Século e meio após o período de mais vigor da Filha do Douro, a vida continua. Continuamos com crises, empresários, pessoas na miséria, novas pessoas na miséria e até mesmo, bem vistas as coisas, pragas que não assolam apenas as vinhas no Douro, mas todo o 'reino', de Norte a Sul. As diferenças... para além das pragas, que agora são das que não vão lá com sulfatados dum químico qualquer (acho eu!), encontro-as precisamente nos empresários. Talvez esteja a ser injusto, pois fui buscar o melhor do século XIX e o pior do século XXI, mas aquilo a que me levou tal analogia foi a questão do patriotismo. Patriotismo este, que na perspectiva do do século XXI (cerca de 200 anos de evolução da espécie), resume-se a apelar a uma maior disposição para o sacrifício, quer dos seus empregados, quer mesmo dos seus 'clientes alvo'. Isso do 'tenho mais, ajudo mais' é coisa do passado, muito século XIX.


É certo que esta questão da fuga de capitais não é nova, e podia também ser levantada indignação contra o Continente ou a Optimus, contra a Galp, a PT e segundo o que pude saber, até mesmo, imagine-se, a própria Caixa Geral, aquele banco do estado. A questão é que, para o bem e para o mal, os súbditos do reino andam mais atentos, mais informados (muito século XXI...). São os efeitos da tal nova praga! Aos poucos as pessoas querem saber quem é que paga o quê afinal. Quem e de que forma contribui para sair deste ninho de ratos para onde fomos todos empurrados. Numa semana anunciam-nos um negócio de 2,69 mil M€, extremamente necessário para a nossa recuperação, na outra dizem-nos que nos escaparam das mãos 4,6 mil M€. E agora, o que é que vamos vender aos chineses só para cobrir esta diferença?

Também se lê muito por aí a defesa do outro lado, e até compreendo a sua argumentação: 'antes da Jerónimo Martins desistir do país, o país já tinha desistido dela...' - sim, pode ser um ponto de vista credível, se calhar também gostava de ter um regime fiscal que incidisse mais sobre os grandes rendimentos do que sobre as empresas, assim como por exemplo na Holanda, mas tenho algumas dúvidas acerca do regresso de Soares dos Santos, se eventualmente aparecesse por aí um governo, que na loucura começasse a taxar a sério as grandes fortunas – de resto, o argumento usado para não o fazerem é precisamente o medo de fuga de capitais... irónico, não? Mas independentemente disso, o que eu pretendo mesmo, é cometer a estupidez de comparar o Santinho com a Ferreirinha! Mostrar também esse ponto de vista ao seu clube de fãs, que até já relembraram a gigante preocupação social do empresário em actos como o de distribuir cerca de 12,5 milhões a mais de 50 mil empregados, ou o de garantir N postos de trabalho com esta atitude de se deslocar para os Países (dos) Baixos (impostos). 'Bota os olhinhos' aí na Ferreirinha, oh Santinho! Isso é que seria de facto preocupação social e patriotismo.

Por outro lado, segundo aquilo que li, a família Soares dos Santos não terá qualquer beneficio fiscal nesta operação. Há várias teses que se contradizem umas às outras, mas aparentemente a 'holding' que detém mais de 10% da Jerónimo Martins não pagava cá impostos sobre os dividendos e não passará a pagar na Holanda. Quando distribuídos os lucros à família, cada membro estava sujeito a uma taxa de IRS de 25%, taxa essa que parece ser igual na Holanda. Então, a confirmar-se, quais as razões para justificar esta debandada mesmo no último dia do ano? Supostamente por um mais fácil acesso ao crédito, mas este 'deixar de acreditar', este 'plano de crescimento que exclui o meu país', começa a ser evidente para qualquer um, confirmando e sublinhando o ponto de vista do representante máximo do próprio executivo. Em suma, aquilo que consigo perceber de tudo isto, é que, no mínimo, Soares dos Santos o que faz é desistir do futuro deste/neste país, semanas depois de apelar ao patriotismo dos quinhentoseuristas! Muito século XXI...!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Ainda sobre o não pagamento da dívida



Éric Toussaint, que apoiou a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública recentemente em Lisboa, em entrevista ao jornal Público, entre várias ideias deixa esta, que leva um sublinhado meu a negrito. A ler!

«Sei que esta ideia está fora do debate público, mas, para mim, se um país quiser sair desta crise, tem de romper com a troika. Tem de dizer: senhores, as condições que nos impõem são injustas e não nos servem a nível económico.»

(é presidente do Comité para Anulação da Dívida do Terceiro Mundo e fez parte da equipa que realizou a auditoria à dívida pública do Equador, num processo que levou ao julgamento de vários responsáveis políticos e à decisão unilateral de não pagar parte da dívida equatoriana. Podem ler sobre isso aqui.)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Rua Milharada nº 27, 5º Dto - 2745-822 Massamá, Sintra

Assim como que um presságio do que cada vez parece o mais indicado para o nosso futuro, meu e da minha companheira, a minha amiga 'facebookiana' Myriam Zaluar escreveu o que ela chama de Carta Aberta, a Pedro Passos Coelho. A dimensão que esta atingiu superou mesmo as melhores expectativas da Myriam, sendo que, apesar de já ter conhecimento que ela teria escrito algo de muito bom, só lhe conheci o conteúdo um par de dias depois, quando ao sair do trabalho lhe davam o merecido destaque na Antena 1, em plena hora de ponta. Talvez o texto, que passo a transcrever, tenha mesmo chegado ao destinatário, ao contrário do esperado pela autora. Quantos de nós não gostariam de endereçar algo do género para o código postal de Massamá...!?




Exmo Senhor Primeiro Ministro



Começo por me apresentar, uma vez que estou certa que nunca ouviu falar de mim. Chamo-me Myriam. Myriam Zaluar é o meu nome "de guerra". Basilio é o apelido pelo qual me conhecem os meus amigos mais antigos e também os que, não sendo amigos, se lembram de mim em anos mais recuados.


Nasci em França, porque o meu pai teve de deixar o seu país aos 20 e poucos anos. Fê-lo porque se recusou a combater numa guerra contra a qual se erguia. Fê-lo porque se recusou a continuar num país onde não havia liberdade de dizer, de fazer, de pensar, de crescer. Estou feliz por o meu pai ter emigrado, porque se não o tivesse feito, eu não estaria aqui. Nasci em França, porque a minha mãe teve de deixar o seu país aos 19 anos. Fê-lo porque não tinha hipóteses de estudar e desenvolver o seu potencial no país onde nasceu. Foi para França estudar e trabalhar e estou feliz por tê-lo feito, pois se assim não fosse eu não estaria aqui. Estou feliz por os meus pais terem emigrado, caso contrário nunca se teriam conhecido e eu não estaria aqui. Não tenho porém a ingenuidade de pensar que foi fácil para eles sair do país onde nasceram. Durante anos o meu pai não pôde entrar no seu país, pois se o fizesse seria preso. A minha mãe não pôde despedir-se de pessoas que amava porque viveu sempre longe delas. Mais tarde, o 25 de Abril abriu as portas ao regresso do meu pai e viemos todos para o país que era o dele e que passou a ser o nosso. Viemos para viver, sonhar e crescer.


Cresci. Na escola, distingui-me dos demais. Fui rebelde e nem sempre uma menina exemplar mas entrei na faculdade com 17 anos e com a melhor média daquele ano: 17,6. Naquela altura, só havia três cursos em Portugal onde era mais dificil entrar do que no meu. Não quero com isto dizer que era uma super-estudante, longe disso. Baldei-me a algumas aulas, deixei cadeiras para trás, saí, curti, namorei, vivi intensamente, mas mesmo assim licenciei-me com 23 anos. Durante a licenciatura dei explicações, fiz traduções, escrevi textos para rádio, coleccionei estágios, desperdicei algumas oportunidades, aproveitei outras, aprendi muito, esqueci-me de muito do que tinha aprendido.


Cresci. Conquistei o meu primeiro emprego sozinha. Trabalhei. Ganhei a vida. Despedi-me. Conquistei outro emprego, mais uma vez sem ajudas. Trabalhei mais. Saí de casa dos meus pais. Paguei o meu primeiro carro, a minha primeira viagem, a minha primeira renda. Fiquei efectiva. Tornei-me personna non grata no meu local de trabalho. "És provavelmente aquela que melhor escreve e que mais produz aqui dentro." - disseram-me - "Mas tenho de te mandar embora porque te ris demasiado alto na redacção". Fiquei. 

Aos 27 anos conheci a prateleira. Tive o meu primeiro filho. Aos 28 anos conheci o desemprego. "Não há-de ser nada, pensei. Sou jovem, tenho um bom curriculo, arranjarei trabalho num instante". Não arranjei. Aos 29 anos conheci a precariedade. Desde então nunca deixei de trabalhar mas nunca mais conheci outra coisa que não fosse a precariedade. Aos 37 anos, idade com que o senhor se licenciou, tinha eu dois filhos, 15 anos de licenciatura, 15 de carteira profissional de jornalista e carreira 'congelada'. Tinha também 18 anos de experiência profissional como jornalista, tradutora e professora, vários cursos, um CAP caducado, domínio total de três línguas, duas das quais como "nativa". Tinha como ordenado 'fixo' 485 euros x 7 meses por ano. Tinha iniciado um mestrado que tive depois de suspender pois foi preciso escolher entre trabalhar para pagar as contas ou para completar o curso. O meu dia, senhor primeiro ministro, só tinha 24 horas...

Cresci mais. Aos 38 anos conheci o mobbying. Conheci as insónias noites a fio. Conheci o medo do amanhã. Conheci, pela vigésima vez, a passagem de bestial a besta. Conheci o desespero. Conheci - felizmente! - também outras pessoas que partilhavam comigo a revolta. Percebi que não estava só. Percebi que a culpa não era minha. Cresci. Conheci-me melhor. Percebi que tinha valor.

Senhor primeiro-ministro, vou poupá-lo a mais pormenores sobre a minha vida. Tenho a dizer-lhe o seguinte: faço hoje 42 anos. Sou doutoranda e investigadora da Universidade do Minho. Os meus pais, que deviam estar a reformar-se, depois de uma vida dedicada à investigação, ao ensino, ao crescimento deste país e das suas filhas e netos, os meus pais, que deviam estar a comprar uma casinha na praia para conhecerem algum descanso e descontracção, continuam a trabalhar e estão a assegurar aos meus filhos aquilo que eu não posso. Material escolar. Roupa. Sapatos. Dinheiro de bolso. Lazeres. Actividades extra-escolares. Quanto a mim, tenho actualmente como ordenado fixo 405 euros X 7 meses por ano. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. A universidade na qual lecciono há 16 anos conseguiu mais uma vez reduzir-me o ordenado. Todo o trabalho que arranjo é extra e a recibos verdes. Não sou independente, senhor primeiro ministro. Sempre que tenho extras tenho de contar com apoios familiares para que os meus filhos não fiquem sozinhos em casa. Tenho uma dívida de mais de cinco anos à Segurança Social que, por sua vez, deveria ter fornecido um dossier ao Tribunal de Família e Menores há mais de três a fim que os meus filhos possam receber a pensão de alimentos a que têm direito pois sou mãe solteira. Até hoje, não o fez.

Tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: nunca fui administradora de coisa nenhuma e o salário mais elevado que auferi até hoje não chegava aos mil euros. Isto foi ainda no tempo dos escudos, na altura em que eu enchia o depósito do meu renault clio com cinco contos e ia jantar fora e acampar todos os fins-de-semana. Talvez isso fosse viver acima das minhas possibilidades. Talvez as duas viagens que fiz a Cabo-Verde e ao Brasil e que paguei com o dinheiro que ganhei com o meu trabalho tivessem sido luxos. Talvez o carro de 12 anos que conduzo e que me custou 2 mil euros a pronto pagamento seja um excesso, mas sabe, senhor primeiro-ministro, por mais que faça e refaça as contas, e por mais que a gasolina teime em aumentar, continua a sair-me mais em conta andar neste carro do que de transportes públicos. Talvez a casa que comprei e que devo ao banco tenha sido uma inconsciência mas na altura saía mais barato do que arrendar uma, sabe, senhor primeiro-ministro. Mesmo assim nunca me passou pela cabeça emigrar.

Mas hoje, senhor primeiro-ministro, hoje passa. Hoje faço 42 anos e tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: Tenho mais habilitações literárias que o senhor. Tenho mais experiência profissional que o senhor. Escrevo e falo português melhor do que o senhor. Falo inglês melhor que o senhor. Francês então nem se fale. Não falo alemão mas duvido que o senhor fale e também não vejo, sinceramente, a utilidade de saber tal língua. Em compensação falo castelhano melhor do que o senhor. Mas como o senhor é o primeiro-ministro e dá tão bons conselhos aos seus governados, quero pedir-lhe um conselho, apesar de não ter votado em si. Agora que penso emigrar, que me aconselha a fazer em relação aos meus dois filhos, que nasceram em Portugal e têm cá todas as suas referências? Devo arrancá-los do seu país, separá-los da família, dos amigos, de tudo aquilo que conhecem e amam? E, já agora, que lhes devo dizer? Que devo responder ao meu filho de 14 anos quando me pergunta que caminho seguir nos estudos? Que vale a pena seguir os seus interesses e aptidões, como os meus pais me disseram a mim? Ou que mais vale enveredar já por outra via (já agora diga-me qual, senhor primeiro-ministro) para que não se torne também ele um excedentário no seu próprio país? Ou, ainda, que venha comigo para Angola ou para o Brasil por que ali será com certeza muito mais valorizado e feliz do que no seu país, um país que deveria dar-lhe as melhores condições para crescer pois ele é um dos seus melhores - e cada vez mais raros - valores: um ser humano em formação. 

Bom, esta carta que, estou praticamente certa, o senhor não irá ler já vai longa. Quero apenas dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: aos 42 anos já dei muito mais a este país do que o senhor. Já trabalhei mais, esforcei-me mais, lutei mais e não tenho qualquer dúvida de que sofri muito mais. Ganhei, claro, infinitamente menos. Para ser mais exacta o meu IRS do ano passado foi de 4 mil euros. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. No ano passado ganhei 4 mil euros. Deve ser das minhas baixas qualificações. Da minha preguiça. Da minha incapacidade. Do meu excedentarismo. Portanto, é o seguinte, senhor primeiro-ministro: emigre você, senhor primeiro-ministro. E leve consigo os seus ministros. O da mota. O da fala lenta. O que veio do estrangeiro. E o resto da maralha. Leve-os, senhor primeiro-ministro, para longe. Olhe, leve-os para o Deserto do Sahara. Pode ser que os outros dois aprendam alguma coisa sobre acordos de pesca.

Com o mais elevado desprezo e desconsideração, desejo-lhe, ainda assim, feliz natal OU feliz ano novo à sua escolha, senhor primeiro-ministro.
e como eu sou aqui sem dúvida o elo mais fraco, adeus



Myriam Zaluar, 19/12/2011

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Dá que pensar, não dá, sr. licenciado?




Tenho orgulho em ser um dos cerca de 20 jovens que sem recursos, sem patrocínios, e sendo mesmo até vítimas de boicote da comunicação social, não esquecendo a forte repressão psicológica da política do medo preconizada pelo primeiro ministro nessa altura, conseguiu reunir na baixa portuense cerca de 30 mil almas descontentes, no dia 15 de Outubro do ano que está prestes a acabar. Não tenho orgulho de nem ter acabado o secundário, especialmente quando até mesmo nessa altura este parecia absolutamente acessível, ou mesmo fácil, mas sinto-me bem por mesmo no meio da minha ignorância, que se deve muito ao facto de ter desperdiçado a oportunidade de ser influenciado por um ensino que se diz superior, e pelos seus constituintes (em teoria, com maior elevação e estrutura mentais que os restantes), conseguir manter-me informado, e de, com mais ou menos dificuldade, ser capaz de entender o que se vai passando à minha volta, assim como gerar a minha própria opinião, independentemente daquilo que vão querendo impingir-nos a um ritmo diário. Para isso tem contribuído muito a minha falta de vergonha na cara, que me leva a pelo menos tentar falar de igual para igual com pessoas que não só têm licenciaturas, mestrados ou doutoramentos nas mais diversas áreas, como têm já várias provas dadas do seu sucesso enquanto profissionais. Mas aquilo que realmente me custa a engolir são esses, que mesmo depois de aparentemente se mostrarem muito bem resolvidos a nível de inteligência, traem-na, por vezes de forma clamorosa.
Começam logo as discussões com 'em que ano é que nasces-te?' - oh sr. eng.º, conheço muito boa gente da sua idade e até mais velhos, que não faz ideia de quem é o primeiro ministro! Eu até os invejo, mas a verdade é que não sabem, o que me leva a crer que isso de avaliar a capacidade das pessoas em função do ano em que nasceram, só 'porque não viveram e não sabem como é que era no meu tempo', é demasiado redutor sequer para ser levado a sério. E olhe que apesar dos meus pequenos 30 anos (quase), já conheço alguns espécimes ainda mais novos, capazes de me dar uma tareia de sintaxe tal, que me deixariam k.o. logo ao primeiro assalto!
Mas aquilo que me indignou mesmo foi ouvir da voz de alguém que até podia muito bem ser uma referência para mim, no que diz respeito à aprendizagem que tanto me tenho esforçado para recuperar, dizer que 'os portugueses viveram muitos anos acima das suas possibilidades' (para não desenvolver o tema 'lá fora não há subsídios de natal ou de férias', mas enfim...). O problema é defender esta tese com 'foram estradas, foram estádios, foi mais isto e mais aquilo'. Sendo assim, terá que especificar de que tipo de portugueses está a falar, a bem dum diálogo sério e construtivo.

Segundo eu sei, mesmo não tendo mais que 30 anos, o cidadão comum, aquele grupo a que eu me refiro normalmente quando pronuncio 'os portugueses', assim que gasta mais electricidade do que a que pode pagar, zás, toca a recorrer ao stock de velinhas. Assim que consome mais água do que a que pode pagar, zás, 'bora à fonte buscar uns garrafões. Assim que deixa de conseguir encher o depósito da sua bomba estacionada na garagem, zás, baza gamar uns litros às retro escavadoras esquecidas na obra vizinha. Assim que deixa de poder pagar a mesma bomba, zás, reduzem-se as quatro rodas para duas e o motor passa a pedais. Assim que o ordenado deixa de ser suficiente para pagar a habitação, zás, parcela de penhora no recibo de vencimento, com os cumprimentos dos recursos humanos.

Não há um único português, e falo daqueles a que eu tenho acesso, que possa de facto viver a cima das suas possibilidades! Poderá eventualmente apanhar um ou dois meses em que estica a corda, mas desde o momento em que o seu nome consta nas listas do Banco de Portugal, pura e simplesmente deixa de viver, quanto mais a cima das possibilidades. Mas desde o momento que um engenheiro, com 'formação superior', chefe de departamento duma empresa minimamente sólida, co-responsável pela criação e crescimento da mesma, aceita este tipo de teoria sem por os neurónios a funcionar, que direi eu de quem... nem acabou o secundário!
Um homem vivido, que só à custa do trabalho já deu várias voltas completas a Portugal, que fará em lazer. Conhecerá, provavelmente, o país bem melhor que eu, que tenho apenas 30 anos, ainda não feitos. E quem o conhece apenas como eu, retirando Porto e Lisboa, que não são mesmo nada representativos de todo o território (principalmente Lisboa), só precisa de dois segundos duma fugaz observação: repare bem como se vive na esmagadora maioria das principais cidades limítrofes de seja qual for a capital de distrito. Nem coloco em cima da mesa o interior abandonado, mas pense apenas nas cidades mais próximas de Coimbra, Aveiro, Bragança, Castelo Branco, Guarda, Évora, Portalegre... ainda tem a mesma opinião? Acredita seriamente que aquelas gentes vivem de facto acima seja do que for? É que isso para mim é que são 'os portugueses'! Isso é que representa a esmagadora maioria dos 10 milhões. Haverão assim tantas pessoas fora das duas maiores cidades, capazes de ultrapassar todas as entraves criadas a quem excede o seu plafom mensal? Felizmente não o conheço pessoalmente, mas assim de repente consigo-me lembrar dum, salvo erro de Miranda do Douro, de sobrenome Lima, que esse sim, conseguiu um gigantesco empréstimo bem a cima das suas possibilidades, 'não se sabe' bem como, mas desta feita também não me parece representativo 'dos portugueses' em geral!
Mas bom, como estamos a um dia da noite mágica, que tanto apela à generosidade, eu dou-lhe esta de barato: vamos lá então fazer um esforço para imaginar que até há um fundamento de verdade nesta teoria. Ok, andamos todos a gastar mais do que o que devíamos, e agora temos que pagar por isso. Eu faço a pergunta: num país que depende imenso do mercado interno, tendo em conta a percentagem de exportações que toda a gente conhece, como estaria Portugal se não tivéssemos gasto tanto, nunca esquecendo que o grosso do (des)emprego neste país provém das pequenas e médias empresas? Nunca esquecendo que Portugal é um país, por definição, de serviços e turismo e todo esse consumo, quanto mais excessivo for, a mais juros está sujeito, e portanto, mais lucros darão aos 'descapitalizados' bancos?... dá que pensar, não dá, sr. licenciado?