sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Dá que pensar, não dá, sr. licenciado?




Tenho orgulho em ser um dos cerca de 20 jovens que sem recursos, sem patrocínios, e sendo mesmo até vítimas de boicote da comunicação social, não esquecendo a forte repressão psicológica da política do medo preconizada pelo primeiro ministro nessa altura, conseguiu reunir na baixa portuense cerca de 30 mil almas descontentes, no dia 15 de Outubro do ano que está prestes a acabar. Não tenho orgulho de nem ter acabado o secundário, especialmente quando até mesmo nessa altura este parecia absolutamente acessível, ou mesmo fácil, mas sinto-me bem por mesmo no meio da minha ignorância, que se deve muito ao facto de ter desperdiçado a oportunidade de ser influenciado por um ensino que se diz superior, e pelos seus constituintes (em teoria, com maior elevação e estrutura mentais que os restantes), conseguir manter-me informado, e de, com mais ou menos dificuldade, ser capaz de entender o que se vai passando à minha volta, assim como gerar a minha própria opinião, independentemente daquilo que vão querendo impingir-nos a um ritmo diário. Para isso tem contribuído muito a minha falta de vergonha na cara, que me leva a pelo menos tentar falar de igual para igual com pessoas que não só têm licenciaturas, mestrados ou doutoramentos nas mais diversas áreas, como têm já várias provas dadas do seu sucesso enquanto profissionais. Mas aquilo que realmente me custa a engolir são esses, que mesmo depois de aparentemente se mostrarem muito bem resolvidos a nível de inteligência, traem-na, por vezes de forma clamorosa.
Começam logo as discussões com 'em que ano é que nasces-te?' - oh sr. eng.º, conheço muito boa gente da sua idade e até mais velhos, que não faz ideia de quem é o primeiro ministro! Eu até os invejo, mas a verdade é que não sabem, o que me leva a crer que isso de avaliar a capacidade das pessoas em função do ano em que nasceram, só 'porque não viveram e não sabem como é que era no meu tempo', é demasiado redutor sequer para ser levado a sério. E olhe que apesar dos meus pequenos 30 anos (quase), já conheço alguns espécimes ainda mais novos, capazes de me dar uma tareia de sintaxe tal, que me deixariam k.o. logo ao primeiro assalto!
Mas aquilo que me indignou mesmo foi ouvir da voz de alguém que até podia muito bem ser uma referência para mim, no que diz respeito à aprendizagem que tanto me tenho esforçado para recuperar, dizer que 'os portugueses viveram muitos anos acima das suas possibilidades' (para não desenvolver o tema 'lá fora não há subsídios de natal ou de férias', mas enfim...). O problema é defender esta tese com 'foram estradas, foram estádios, foi mais isto e mais aquilo'. Sendo assim, terá que especificar de que tipo de portugueses está a falar, a bem dum diálogo sério e construtivo.

Segundo eu sei, mesmo não tendo mais que 30 anos, o cidadão comum, aquele grupo a que eu me refiro normalmente quando pronuncio 'os portugueses', assim que gasta mais electricidade do que a que pode pagar, zás, toca a recorrer ao stock de velinhas. Assim que consome mais água do que a que pode pagar, zás, 'bora à fonte buscar uns garrafões. Assim que deixa de conseguir encher o depósito da sua bomba estacionada na garagem, zás, baza gamar uns litros às retro escavadoras esquecidas na obra vizinha. Assim que deixa de poder pagar a mesma bomba, zás, reduzem-se as quatro rodas para duas e o motor passa a pedais. Assim que o ordenado deixa de ser suficiente para pagar a habitação, zás, parcela de penhora no recibo de vencimento, com os cumprimentos dos recursos humanos.

Não há um único português, e falo daqueles a que eu tenho acesso, que possa de facto viver a cima das suas possibilidades! Poderá eventualmente apanhar um ou dois meses em que estica a corda, mas desde o momento em que o seu nome consta nas listas do Banco de Portugal, pura e simplesmente deixa de viver, quanto mais a cima das possibilidades. Mas desde o momento que um engenheiro, com 'formação superior', chefe de departamento duma empresa minimamente sólida, co-responsável pela criação e crescimento da mesma, aceita este tipo de teoria sem por os neurónios a funcionar, que direi eu de quem... nem acabou o secundário!
Um homem vivido, que só à custa do trabalho já deu várias voltas completas a Portugal, que fará em lazer. Conhecerá, provavelmente, o país bem melhor que eu, que tenho apenas 30 anos, ainda não feitos. E quem o conhece apenas como eu, retirando Porto e Lisboa, que não são mesmo nada representativos de todo o território (principalmente Lisboa), só precisa de dois segundos duma fugaz observação: repare bem como se vive na esmagadora maioria das principais cidades limítrofes de seja qual for a capital de distrito. Nem coloco em cima da mesa o interior abandonado, mas pense apenas nas cidades mais próximas de Coimbra, Aveiro, Bragança, Castelo Branco, Guarda, Évora, Portalegre... ainda tem a mesma opinião? Acredita seriamente que aquelas gentes vivem de facto acima seja do que for? É que isso para mim é que são 'os portugueses'! Isso é que representa a esmagadora maioria dos 10 milhões. Haverão assim tantas pessoas fora das duas maiores cidades, capazes de ultrapassar todas as entraves criadas a quem excede o seu plafom mensal? Felizmente não o conheço pessoalmente, mas assim de repente consigo-me lembrar dum, salvo erro de Miranda do Douro, de sobrenome Lima, que esse sim, conseguiu um gigantesco empréstimo bem a cima das suas possibilidades, 'não se sabe' bem como, mas desta feita também não me parece representativo 'dos portugueses' em geral!
Mas bom, como estamos a um dia da noite mágica, que tanto apela à generosidade, eu dou-lhe esta de barato: vamos lá então fazer um esforço para imaginar que até há um fundamento de verdade nesta teoria. Ok, andamos todos a gastar mais do que o que devíamos, e agora temos que pagar por isso. Eu faço a pergunta: num país que depende imenso do mercado interno, tendo em conta a percentagem de exportações que toda a gente conhece, como estaria Portugal se não tivéssemos gasto tanto, nunca esquecendo que o grosso do (des)emprego neste país provém das pequenas e médias empresas? Nunca esquecendo que Portugal é um país, por definição, de serviços e turismo e todo esse consumo, quanto mais excessivo for, a mais juros está sujeito, e portanto, mais lucros darão aos 'descapitalizados' bancos?... dá que pensar, não dá, sr. licenciado?

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