quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Ainda sobre o não pagamento da dívida



Éric Toussaint, que apoiou a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública recentemente em Lisboa, em entrevista ao jornal Público, entre várias ideias deixa esta, que leva um sublinhado meu a negrito. A ler!

«Sei que esta ideia está fora do debate público, mas, para mim, se um país quiser sair desta crise, tem de romper com a troika. Tem de dizer: senhores, as condições que nos impõem são injustas e não nos servem a nível económico.»

(é presidente do Comité para Anulação da Dívida do Terceiro Mundo e fez parte da equipa que realizou a auditoria à dívida pública do Equador, num processo que levou ao julgamento de vários responsáveis políticos e à decisão unilateral de não pagar parte da dívida equatoriana. Podem ler sobre isso aqui.)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Rua Milharada nº 27, 5º Dto - 2745-822 Massamá, Sintra

Assim como que um presságio do que cada vez parece o mais indicado para o nosso futuro, meu e da minha companheira, a minha amiga 'facebookiana' Myriam Zaluar escreveu o que ela chama de Carta Aberta, a Pedro Passos Coelho. A dimensão que esta atingiu superou mesmo as melhores expectativas da Myriam, sendo que, apesar de já ter conhecimento que ela teria escrito algo de muito bom, só lhe conheci o conteúdo um par de dias depois, quando ao sair do trabalho lhe davam o merecido destaque na Antena 1, em plena hora de ponta. Talvez o texto, que passo a transcrever, tenha mesmo chegado ao destinatário, ao contrário do esperado pela autora. Quantos de nós não gostariam de endereçar algo do género para o código postal de Massamá...!?




Exmo Senhor Primeiro Ministro



Começo por me apresentar, uma vez que estou certa que nunca ouviu falar de mim. Chamo-me Myriam. Myriam Zaluar é o meu nome "de guerra". Basilio é o apelido pelo qual me conhecem os meus amigos mais antigos e também os que, não sendo amigos, se lembram de mim em anos mais recuados.


Nasci em França, porque o meu pai teve de deixar o seu país aos 20 e poucos anos. Fê-lo porque se recusou a combater numa guerra contra a qual se erguia. Fê-lo porque se recusou a continuar num país onde não havia liberdade de dizer, de fazer, de pensar, de crescer. Estou feliz por o meu pai ter emigrado, porque se não o tivesse feito, eu não estaria aqui. Nasci em França, porque a minha mãe teve de deixar o seu país aos 19 anos. Fê-lo porque não tinha hipóteses de estudar e desenvolver o seu potencial no país onde nasceu. Foi para França estudar e trabalhar e estou feliz por tê-lo feito, pois se assim não fosse eu não estaria aqui. Estou feliz por os meus pais terem emigrado, caso contrário nunca se teriam conhecido e eu não estaria aqui. Não tenho porém a ingenuidade de pensar que foi fácil para eles sair do país onde nasceram. Durante anos o meu pai não pôde entrar no seu país, pois se o fizesse seria preso. A minha mãe não pôde despedir-se de pessoas que amava porque viveu sempre longe delas. Mais tarde, o 25 de Abril abriu as portas ao regresso do meu pai e viemos todos para o país que era o dele e que passou a ser o nosso. Viemos para viver, sonhar e crescer.


Cresci. Na escola, distingui-me dos demais. Fui rebelde e nem sempre uma menina exemplar mas entrei na faculdade com 17 anos e com a melhor média daquele ano: 17,6. Naquela altura, só havia três cursos em Portugal onde era mais dificil entrar do que no meu. Não quero com isto dizer que era uma super-estudante, longe disso. Baldei-me a algumas aulas, deixei cadeiras para trás, saí, curti, namorei, vivi intensamente, mas mesmo assim licenciei-me com 23 anos. Durante a licenciatura dei explicações, fiz traduções, escrevi textos para rádio, coleccionei estágios, desperdicei algumas oportunidades, aproveitei outras, aprendi muito, esqueci-me de muito do que tinha aprendido.


Cresci. Conquistei o meu primeiro emprego sozinha. Trabalhei. Ganhei a vida. Despedi-me. Conquistei outro emprego, mais uma vez sem ajudas. Trabalhei mais. Saí de casa dos meus pais. Paguei o meu primeiro carro, a minha primeira viagem, a minha primeira renda. Fiquei efectiva. Tornei-me personna non grata no meu local de trabalho. "És provavelmente aquela que melhor escreve e que mais produz aqui dentro." - disseram-me - "Mas tenho de te mandar embora porque te ris demasiado alto na redacção". Fiquei. 

Aos 27 anos conheci a prateleira. Tive o meu primeiro filho. Aos 28 anos conheci o desemprego. "Não há-de ser nada, pensei. Sou jovem, tenho um bom curriculo, arranjarei trabalho num instante". Não arranjei. Aos 29 anos conheci a precariedade. Desde então nunca deixei de trabalhar mas nunca mais conheci outra coisa que não fosse a precariedade. Aos 37 anos, idade com que o senhor se licenciou, tinha eu dois filhos, 15 anos de licenciatura, 15 de carteira profissional de jornalista e carreira 'congelada'. Tinha também 18 anos de experiência profissional como jornalista, tradutora e professora, vários cursos, um CAP caducado, domínio total de três línguas, duas das quais como "nativa". Tinha como ordenado 'fixo' 485 euros x 7 meses por ano. Tinha iniciado um mestrado que tive depois de suspender pois foi preciso escolher entre trabalhar para pagar as contas ou para completar o curso. O meu dia, senhor primeiro ministro, só tinha 24 horas...

Cresci mais. Aos 38 anos conheci o mobbying. Conheci as insónias noites a fio. Conheci o medo do amanhã. Conheci, pela vigésima vez, a passagem de bestial a besta. Conheci o desespero. Conheci - felizmente! - também outras pessoas que partilhavam comigo a revolta. Percebi que não estava só. Percebi que a culpa não era minha. Cresci. Conheci-me melhor. Percebi que tinha valor.

Senhor primeiro-ministro, vou poupá-lo a mais pormenores sobre a minha vida. Tenho a dizer-lhe o seguinte: faço hoje 42 anos. Sou doutoranda e investigadora da Universidade do Minho. Os meus pais, que deviam estar a reformar-se, depois de uma vida dedicada à investigação, ao ensino, ao crescimento deste país e das suas filhas e netos, os meus pais, que deviam estar a comprar uma casinha na praia para conhecerem algum descanso e descontracção, continuam a trabalhar e estão a assegurar aos meus filhos aquilo que eu não posso. Material escolar. Roupa. Sapatos. Dinheiro de bolso. Lazeres. Actividades extra-escolares. Quanto a mim, tenho actualmente como ordenado fixo 405 euros X 7 meses por ano. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. A universidade na qual lecciono há 16 anos conseguiu mais uma vez reduzir-me o ordenado. Todo o trabalho que arranjo é extra e a recibos verdes. Não sou independente, senhor primeiro ministro. Sempre que tenho extras tenho de contar com apoios familiares para que os meus filhos não fiquem sozinhos em casa. Tenho uma dívida de mais de cinco anos à Segurança Social que, por sua vez, deveria ter fornecido um dossier ao Tribunal de Família e Menores há mais de três a fim que os meus filhos possam receber a pensão de alimentos a que têm direito pois sou mãe solteira. Até hoje, não o fez.

Tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: nunca fui administradora de coisa nenhuma e o salário mais elevado que auferi até hoje não chegava aos mil euros. Isto foi ainda no tempo dos escudos, na altura em que eu enchia o depósito do meu renault clio com cinco contos e ia jantar fora e acampar todos os fins-de-semana. Talvez isso fosse viver acima das minhas possibilidades. Talvez as duas viagens que fiz a Cabo-Verde e ao Brasil e que paguei com o dinheiro que ganhei com o meu trabalho tivessem sido luxos. Talvez o carro de 12 anos que conduzo e que me custou 2 mil euros a pronto pagamento seja um excesso, mas sabe, senhor primeiro-ministro, por mais que faça e refaça as contas, e por mais que a gasolina teime em aumentar, continua a sair-me mais em conta andar neste carro do que de transportes públicos. Talvez a casa que comprei e que devo ao banco tenha sido uma inconsciência mas na altura saía mais barato do que arrendar uma, sabe, senhor primeiro-ministro. Mesmo assim nunca me passou pela cabeça emigrar.

Mas hoje, senhor primeiro-ministro, hoje passa. Hoje faço 42 anos e tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: Tenho mais habilitações literárias que o senhor. Tenho mais experiência profissional que o senhor. Escrevo e falo português melhor do que o senhor. Falo inglês melhor que o senhor. Francês então nem se fale. Não falo alemão mas duvido que o senhor fale e também não vejo, sinceramente, a utilidade de saber tal língua. Em compensação falo castelhano melhor do que o senhor. Mas como o senhor é o primeiro-ministro e dá tão bons conselhos aos seus governados, quero pedir-lhe um conselho, apesar de não ter votado em si. Agora que penso emigrar, que me aconselha a fazer em relação aos meus dois filhos, que nasceram em Portugal e têm cá todas as suas referências? Devo arrancá-los do seu país, separá-los da família, dos amigos, de tudo aquilo que conhecem e amam? E, já agora, que lhes devo dizer? Que devo responder ao meu filho de 14 anos quando me pergunta que caminho seguir nos estudos? Que vale a pena seguir os seus interesses e aptidões, como os meus pais me disseram a mim? Ou que mais vale enveredar já por outra via (já agora diga-me qual, senhor primeiro-ministro) para que não se torne também ele um excedentário no seu próprio país? Ou, ainda, que venha comigo para Angola ou para o Brasil por que ali será com certeza muito mais valorizado e feliz do que no seu país, um país que deveria dar-lhe as melhores condições para crescer pois ele é um dos seus melhores - e cada vez mais raros - valores: um ser humano em formação. 

Bom, esta carta que, estou praticamente certa, o senhor não irá ler já vai longa. Quero apenas dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: aos 42 anos já dei muito mais a este país do que o senhor. Já trabalhei mais, esforcei-me mais, lutei mais e não tenho qualquer dúvida de que sofri muito mais. Ganhei, claro, infinitamente menos. Para ser mais exacta o meu IRS do ano passado foi de 4 mil euros. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. No ano passado ganhei 4 mil euros. Deve ser das minhas baixas qualificações. Da minha preguiça. Da minha incapacidade. Do meu excedentarismo. Portanto, é o seguinte, senhor primeiro-ministro: emigre você, senhor primeiro-ministro. E leve consigo os seus ministros. O da mota. O da fala lenta. O que veio do estrangeiro. E o resto da maralha. Leve-os, senhor primeiro-ministro, para longe. Olhe, leve-os para o Deserto do Sahara. Pode ser que os outros dois aprendam alguma coisa sobre acordos de pesca.

Com o mais elevado desprezo e desconsideração, desejo-lhe, ainda assim, feliz natal OU feliz ano novo à sua escolha, senhor primeiro-ministro.
e como eu sou aqui sem dúvida o elo mais fraco, adeus



Myriam Zaluar, 19/12/2011

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Dá que pensar, não dá, sr. licenciado?




Tenho orgulho em ser um dos cerca de 20 jovens que sem recursos, sem patrocínios, e sendo mesmo até vítimas de boicote da comunicação social, não esquecendo a forte repressão psicológica da política do medo preconizada pelo primeiro ministro nessa altura, conseguiu reunir na baixa portuense cerca de 30 mil almas descontentes, no dia 15 de Outubro do ano que está prestes a acabar. Não tenho orgulho de nem ter acabado o secundário, especialmente quando até mesmo nessa altura este parecia absolutamente acessível, ou mesmo fácil, mas sinto-me bem por mesmo no meio da minha ignorância, que se deve muito ao facto de ter desperdiçado a oportunidade de ser influenciado por um ensino que se diz superior, e pelos seus constituintes (em teoria, com maior elevação e estrutura mentais que os restantes), conseguir manter-me informado, e de, com mais ou menos dificuldade, ser capaz de entender o que se vai passando à minha volta, assim como gerar a minha própria opinião, independentemente daquilo que vão querendo impingir-nos a um ritmo diário. Para isso tem contribuído muito a minha falta de vergonha na cara, que me leva a pelo menos tentar falar de igual para igual com pessoas que não só têm licenciaturas, mestrados ou doutoramentos nas mais diversas áreas, como têm já várias provas dadas do seu sucesso enquanto profissionais. Mas aquilo que realmente me custa a engolir são esses, que mesmo depois de aparentemente se mostrarem muito bem resolvidos a nível de inteligência, traem-na, por vezes de forma clamorosa.
Começam logo as discussões com 'em que ano é que nasces-te?' - oh sr. eng.º, conheço muito boa gente da sua idade e até mais velhos, que não faz ideia de quem é o primeiro ministro! Eu até os invejo, mas a verdade é que não sabem, o que me leva a crer que isso de avaliar a capacidade das pessoas em função do ano em que nasceram, só 'porque não viveram e não sabem como é que era no meu tempo', é demasiado redutor sequer para ser levado a sério. E olhe que apesar dos meus pequenos 30 anos (quase), já conheço alguns espécimes ainda mais novos, capazes de me dar uma tareia de sintaxe tal, que me deixariam k.o. logo ao primeiro assalto!
Mas aquilo que me indignou mesmo foi ouvir da voz de alguém que até podia muito bem ser uma referência para mim, no que diz respeito à aprendizagem que tanto me tenho esforçado para recuperar, dizer que 'os portugueses viveram muitos anos acima das suas possibilidades' (para não desenvolver o tema 'lá fora não há subsídios de natal ou de férias', mas enfim...). O problema é defender esta tese com 'foram estradas, foram estádios, foi mais isto e mais aquilo'. Sendo assim, terá que especificar de que tipo de portugueses está a falar, a bem dum diálogo sério e construtivo.

Segundo eu sei, mesmo não tendo mais que 30 anos, o cidadão comum, aquele grupo a que eu me refiro normalmente quando pronuncio 'os portugueses', assim que gasta mais electricidade do que a que pode pagar, zás, toca a recorrer ao stock de velinhas. Assim que consome mais água do que a que pode pagar, zás, 'bora à fonte buscar uns garrafões. Assim que deixa de conseguir encher o depósito da sua bomba estacionada na garagem, zás, baza gamar uns litros às retro escavadoras esquecidas na obra vizinha. Assim que deixa de poder pagar a mesma bomba, zás, reduzem-se as quatro rodas para duas e o motor passa a pedais. Assim que o ordenado deixa de ser suficiente para pagar a habitação, zás, parcela de penhora no recibo de vencimento, com os cumprimentos dos recursos humanos.

Não há um único português, e falo daqueles a que eu tenho acesso, que possa de facto viver a cima das suas possibilidades! Poderá eventualmente apanhar um ou dois meses em que estica a corda, mas desde o momento em que o seu nome consta nas listas do Banco de Portugal, pura e simplesmente deixa de viver, quanto mais a cima das possibilidades. Mas desde o momento que um engenheiro, com 'formação superior', chefe de departamento duma empresa minimamente sólida, co-responsável pela criação e crescimento da mesma, aceita este tipo de teoria sem por os neurónios a funcionar, que direi eu de quem... nem acabou o secundário!
Um homem vivido, que só à custa do trabalho já deu várias voltas completas a Portugal, que fará em lazer. Conhecerá, provavelmente, o país bem melhor que eu, que tenho apenas 30 anos, ainda não feitos. E quem o conhece apenas como eu, retirando Porto e Lisboa, que não são mesmo nada representativos de todo o território (principalmente Lisboa), só precisa de dois segundos duma fugaz observação: repare bem como se vive na esmagadora maioria das principais cidades limítrofes de seja qual for a capital de distrito. Nem coloco em cima da mesa o interior abandonado, mas pense apenas nas cidades mais próximas de Coimbra, Aveiro, Bragança, Castelo Branco, Guarda, Évora, Portalegre... ainda tem a mesma opinião? Acredita seriamente que aquelas gentes vivem de facto acima seja do que for? É que isso para mim é que são 'os portugueses'! Isso é que representa a esmagadora maioria dos 10 milhões. Haverão assim tantas pessoas fora das duas maiores cidades, capazes de ultrapassar todas as entraves criadas a quem excede o seu plafom mensal? Felizmente não o conheço pessoalmente, mas assim de repente consigo-me lembrar dum, salvo erro de Miranda do Douro, de sobrenome Lima, que esse sim, conseguiu um gigantesco empréstimo bem a cima das suas possibilidades, 'não se sabe' bem como, mas desta feita também não me parece representativo 'dos portugueses' em geral!
Mas bom, como estamos a um dia da noite mágica, que tanto apela à generosidade, eu dou-lhe esta de barato: vamos lá então fazer um esforço para imaginar que até há um fundamento de verdade nesta teoria. Ok, andamos todos a gastar mais do que o que devíamos, e agora temos que pagar por isso. Eu faço a pergunta: num país que depende imenso do mercado interno, tendo em conta a percentagem de exportações que toda a gente conhece, como estaria Portugal se não tivéssemos gasto tanto, nunca esquecendo que o grosso do (des)emprego neste país provém das pequenas e médias empresas? Nunca esquecendo que Portugal é um país, por definição, de serviços e turismo e todo esse consumo, quanto mais excessivo for, a mais juros está sujeito, e portanto, mais lucros darão aos 'descapitalizados' bancos?... dá que pensar, não dá, sr. licenciado?

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Fórmula 'Aleixo' para os Recibos Verdes


Hoje o bairro do Aleixo começa a ser demolido. A torre numero 5 será implodida a meio da manhã de hoje, dando início ao desmantelamento daquele bairro para dar lugar a uma urbanização de luxo. A verdade é que quem conhece o local, e ao mesmo tempo a vizinhança, rapidamente se apercebe que na cidade do Porto não há uma disparidade tão grande entre as condições de vida dos moradores, e a paisagem absolutamente privilegiada que se obtém do alto daquelas torres. Estou-me a lembrar do Pinheiro Torres, mas esse não tem nem de perto os problemas sociais do Aleixo, e talvez também não tenha vistas tão belas, apesar de ser discutível. De resto, com um local tão privilegiado, só me ocorrem uns prédios da 'Foz Velha'/lado sul da Pasteleira, que ficam precisamente entre o Aleixo e o Pinheiro Torres – onde tive oportunidade de fazer umas gravações em hipnotizantes fins de tarde, e são tudo menos 'habitações precárias' – e a Ribeira, que também começa a precisar dum sério restauro e, sendo bem mais que um aglomerado de bares nocturnos frequentado por artistas, pensadores, turistas e 'animais sociais', tem igualmente vários problemas, muitos deles ligados à droga – mas neste caso em particular... até arrepia, de cada vez que me lembro que Rio ainda é presidente da Câmara!
Ouvindo-o nas suas mais recentes palavras sobre a demolição, faz-me pensar em várias coisas, mas sendo que este sim, é um processo irreversível, que por mais que alguém mostre a sua indignação não há volta a dar (a torre está mesmo a momentos de vir ao chão), a ideia que me surgiu ao ouvir a sua entrevista logo pelo início do dia foi: a solução encontrada para o problema do Aleixo (única possível, segundo Rui Rio), será a solução ideal para... os Recibos Verdes! Eu explico...
Há dias, o ex-ministro da Economia Vieira da Silva, em entrevista ao jornal Dinheiro Vivo, ao ser questionado sobre a possibilidade dos falsos recibos verdes virem a usufruir de protecção em caso de desemprego, afirma que apesar de desejável 'nunca nenhum país conseguiu isso'. Não tenho conhecimento sobre as tentativas estrangeiras em consegui-lo, mas no caso de Portugal parece-me fácil de entender. Como uma boa parte destes falsos recibos verdes acaba por não cumprir as suas obrigações para com a Segurança Social, somente porque se o fizessem, a toda a sua situação amplamente precária, teriam que juntar o factor 'trabalhar de borla', a ideia torna-se quase impraticável, ou pelo menos injusta.
Mas a questão não se fica por aqui. Segundo eu sei, pretende-se também que a entidade a quem se presta o serviço contribua para este fundo. O que eleva a questão da hipocrisia a níveis bem a cima do que já estamos habituados. A confirmar-se, provavelmente nunca se exigirá que o patrão pague o que qualquer empresário paga habitualmente, senão não faria qualquer sentido continuar-se com este sistema. Como tal é mais uma premissa que torna a ideia mais uma vez impraticável. Até porque o não pagamento das suas obrigações está precisamente na base da decisão de adquirir prestação de serviços da parte dum empregador que impõe um local, uma hierarquia, um ordenado e um horário de trabalho fixos (independente?).
A cima de tudo, qualquer lei que avance neste sentido não passa duma assinatura dum alto cargo governamental legalizando o ilegal. Ou é trabalho independente ou não é, parece-me demasiado óbvio. Aliás, e não é só a mim... Até para os próprios troiquistas parece ser de fácil identificação! Senão vejamos o que diz o ponto 4.1 do seu 'memorando': «Apresentação de uma proposta para alargar a elegibilidade para receber o subsídio de desemprego para categorias claramente definidas de trabalhadores independentes que prestam serviços a uma única empresa numa base regular».
Por mais que o nosso ministro da scooter de 86 mil euros arranje termos pomposos para definir o que já está há muito definido, não vai mudar a verdade. 'Trabalhadores independentes economicamente dependentes' é muito bonito, fica muito bem rodeado de micros e gravadores, mas 'falsos recibos verdes' é bem mais fácil de ser dito, poupa tempo de antena e é um termo a que todos já nos habituamos e sabemos bem o que quer dizer, sr. ministro, não precisa de vir inventar a roda.
Solução para esta questão dos 'trabalhadores independentes economicamente dependentes': demolição! Depois de muito pensar sobre este assunto, a conclusão a que eu chego é precisamente essa. Chegamos a um ponto que já ninguém sabe se é dependente, se é independente (seja lá do que for), se é falso, verde ou de outra cor qualquer. Sendo assim... implosão! O sr. ministro até tem uma boa cunha no ministério da agricultura, pede à sua colega de partido um belo par de tomates, e acaba definitivamente com os malditos recibos. Primeiro limpa esta tralha toda. E depois concentra-se em resolver o problema dos verdadeiros independentes, que acredite, sr. ministro, são bem menos que os falsos – exactamente como no Aleixo! Primeiro rebentamos com o bairro e consequentemente com o 'problema da droga', e mais tarde tratamos dos interesses da burguesia, que acredite, sr. Rui Rio, são bem menos que os do povo (mas a si não precisava de o dizer, que pelos vistos entendeu isso muito bem).

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Meio ano de governação de direita

“Credibilidade e confiança é cumprir o que se promete aos eleitores”
- título do semanário 'Povo Livre' (magazine do PSD), na edição de 6 de Outubro de 2010



Meio ano! Seis meses passaram de governação PSD/CDS. Lembro-me bem que por altura das últimas legislativas, a grande dúvida que eu tinha era se seria Sócrates a perdê-las, ou Passos a ganhá-las. Provavelmente terá sido a mistura das duas. Sócrates já ninguém aturava. Passos, tendo em conta o caminho escolhido como maior partido de oposição, até ao chumbo do PEC IV, foi ganhando adeptos até ao desfecho final.
Mas com o quê? Eu, como português de gema, também tenho algum défice de memória, confesso. Então tentei recolher algumas das ideias do actual Primeiro Ministro que pudessem eventualmente, num acto de insanidade pura, fazer com que o escolhesse, nem que de facto só existissem dois partidos em Portugal. Apenas para tentar justificar o injustificável...
A mais famosa está em vídeo. O Pedrito afirma ser um 'perfeito disparate' achar-se que alguma vez o PSD, chegado ao governo, mexeria em qualquer um dos subsídios, depois de interpelado por uma jovem acerca deste assunto – alguém ainda se lembra do teor da primeira declaração do Ministro das Finanças?
Mas não é, de todo, caso isolado:
- 'É mais importante atacar a máquina do Estado do que os funcionários públicos'
- 'Garanto que não financiaria a redução do défice recorrendo, sobretudo, ao salário dos funcionários'
- 'Um aumento de impostos conduziria a um patamar de carga fiscal demasiado elevado. Os impostos só devem aumentar em circunstâncias especiais, e só por incompetência o Governo pode pedir mais impostos (…). O aumento de impostos não é o caminho correcto e, no Parlamento, seremos coerentes com esta posição'

Todas estas frases foram retiradas na mesma edição do semanário 'Povo Livre', provindo duma entrevista dada pelo secretário geral do PSD ao Diário Económico. Do twiter do líder do maior partido da oposição da altura, foram retiradas as seguintes:
- 'Estas medidas põem o país a pão e água. Não se põe um país a pão e água por precaução'
- 'Não estamos disponíveis para penhorar o futuro tapando com impostos o que não se corta na despesa'
- 'O Estado vai ter de fazer austeridade, basta de aplicá-la só aos cidadãos'
- 'Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam'
- 'Se vier a ser necessário algum ajustamento fiscal, será canalizado para o consumo e não para o rendimento das pessoas'
- 'A ideia que se foi gerando de que o PSD vai aumentar o IVA não tem fundamento'
- 'Um Governo mais forte imporá menos sacrifícios aos contribuintes e aos cidadãos'
- 'Não aceitaremos chantagens de estabilidade, não aceitamos o clima emocional de que quem não está caladinho não é patriota'
- 'O PSD chumbou o PEC 4 porque tem de se dizer basta: a austeridade não pode incidir sempre no aumento de impostos e no corte de rendimento'

E para acabar em beleza, uma questão que sintetiza muito bem todos os pontos anteriores, feita pelo próprio Passos Coelho: 'Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?' - é a pergunta que tenho vindo a fazer a cada semana que passa, desde a tomada de posse!

Corta-se parte do subsídio de Natal em 2011 e a totalidade dele em conjunto com o de férias para funcionários públicos e pensionistas, a partir de 2012. Aumentam-se as taxas moderadoras, em alguns casos, para o triplo. Asfixiam-se as populações do interior com portagens em estradas sem alternativa, ao mesmo tempo que se fecham linhas férrias. Alteram as regras do IVA comprometendo, entre outras, a cultura e a restauração – não esquecendo a óbvia subida das facturas da electricidade e do gás. Esmagam anos de luta pelas 40h de trabalho semanais, que em conjunto com o corte de 4 feriados, não conduzirá a mais do que fazer com que os trabalhadores trabalhem mais pelo mesmo, quando na verdade, na esmagadora maioria das empresas, não há excedente de trabalho para tal – provavelmente aumentarão os despedimentos. Reduz-se o subsídio de alimentação. As indemnizações por cessação de contracto descem facilitando os despedimentos. Sobem-se as tarifas dos transportes públicos e acabam-se com alguns dos passes sociais. Limitam-se as deduções à colecta em sede de IRS. Excede-se em quase toda a linha o acordado com as instâncias internacionais, apenas... 'por precaução'.
Para além das privatizações de sectores estratégicos ao preço da chuva, enquanto se nacionalizam dívidas privadas 'colossais'. Da repressão policial comprovada contra manifestantes, assim como a hedionda atitude de colocar infiltrados à paisana com a missão de provocar os ditos tumultos, a fim de legitimar essa repressão (relembrando: '(…) não aceitamos o clima emocional de que quem não está caladinho não é patriota'). Dos 610 novos funcionários que entraram nos gabinetes ministeriais desde 5 de Junho fazendo uma média de três nomeações por dia, desde que tomou posse. Da paragem de várias obras públicas estratégicas, apesar de distantes de Lisboa, não só quebrando os compromissos económico-sociais feitos com as populações locais, como deitando ao lixo todo o investimento já feito.
Pouco ou nada se faz quanto à hipocrisia dos falsos recibos verdes na função pública, tirando qualquer moral para que verdadeiramente se persiga os do privado. Pouco ou nada se faz de forma a apoiar a criação de emprego, por vezes dando mesmo a ideia que até se caminha em sentido contrário. Pouco ou nada se faz para que a competitividade das empresas portugueses tenha de facto uma melhoria. Pouco ou nada se faz para incentivar à poupança individual.
E em última análise, todas estas medidas e mais algumas (ou falta delas) contribuirão para uma maior tendência à fuga fiscal, paralisarão a economia nacional, aumentarão o desemprego, destruirão a classe média, emagrecerão a carteira da generalidade das pessoas, formado um ciclo vicioso que será cada vez mais complicado de travar.

Será que ainda está na memória dos portugueses o pedido de desculpas formal e publico de Pedro Passos Coelho, quando apoiou e subscreveu o PEC, devido ao peso que este teria para os contribuintes? Será que ainda vamos ouvir o Tó Zé a pedir desculpa pela sua 'abstenção violenta'?