sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Isto é muito séc. XXI...



Toda a gente reconhecerá o lado cíclico destas crises que vão e voltam, umas mais anunciadas que outras, umas mais austeras que outras, mas a verdade é que para muitos nem chega a haver esse tempo intermédio que lhes permitiria um certo descanso ou recuperação entre crises. Eu cheguei mesmo a escrever, quando falava do meu querido avô, que ele se riria em plenos pulmões, se cá estivesse para ouvir-nos a todos falar de crise de forma tão leviana. Ao neto, principalmente, reservaria dois pares de cachaços, por não ter sequer ideia do que representou nascer e crescer a par da República (ainda com resquícios de Monarquia), ou atravessar duas guerras mundiais, e estar constantemente a queixar-se! Ainda assim confesso que me conforta muito mais a ideia de que esteja ele onde estiver, olha para o neto que mais absorveu da sua presença cá, com orgulho por não se deixar deambular em algo supérfluo ou inútil, por mais inútil ou supérfluo que possa ser estar sempre a mandar postas de pescada para o ar, e sonhar com mudar um mundo que não aparenta querer ser mudado.

Poucos anos antes de nascer o meu avô, morria uma conterrânea sua que teria sido até então, muito provavelmente a mais notável das mulheres portuguesas, e dificilmente terá sido superada até aos dias de hoje, sem desprimor a todas as notáveis deste país: Adelaide Ferreira! (não resisti ao trocadilho...) - D. Antónia Adelaide Ferreira, aka A Ferreirinha. Ela sim, era uma empresária como eu desejava ter na chamada crise (a actual). Enumeras atitudes em enumeras crises haveriam a apontar a esta senhora duriense. Vários pontos da sua verdadeiramente nobre personalidade, apesar da sua persistente recusa em adoptar tal título, serviriam para centenas de posts, nos mais variados contextos. Nem me atrevo a tentar discrimina-los.

Porém, toda esta situação levantada à volta da família Soares dos Santos remete-me à evocação desse nome que ainda hoje paira nos socalcos das margens do rio. Só lhe conheço partes da biografia, mas um dos episódios que hoje me salta à memória é o de uma altura, obviamente de crise profunda, em que todo o Douro é apanhado numa praga que vai dizimando as vinhas ao longo de todo aquele território, em que os ingleses tentam aproveitar-se da intempérie chegando-se à frente para comprar todas as terras por uma bagatela. Ao saber disto, e mesmo antes da doença chegar às suas quintas, D. Antónia decide ser antes ela a comprar as terras de todos os produtores interessados em vende-las, mas como já era habitual na sua forma de estar na vida (sim, porque isto do altruísmo nasce com as pessoas, não há à venda com o 'cabaz família'), a um preço justo, e que não deixasse ninguém na miséria, ou sem pau nem bola, como se costuma dizer cá em cima.

Depois disto descobre umas castas americanas capazes de sobreviver à praga e ordena que sejam introduzidas nas vinhas, a fim de parar o surto. Mais tarde, passada a tempestade, esta patriota a sério, sendo que a sua verdadeira pátria era o Douro, devolve os terrenos aos antigos donos a preços irrisórios, chegando mesmo a doar alguns deles. Ferreirinha era tida como uma das mulheres mais ricas de Portugal, e segundo consta não foi nem aqui, nem noutras iniciativas absolutamente meritórias, que a família faliu. Humilde, solidária, conservadora, trabalhadora, empreendedora e... dona duma fortuna incalculável... sim, afinal é possível... e cá em Portugal!

Século e meio após o período de mais vigor da Filha do Douro, a vida continua. Continuamos com crises, empresários, pessoas na miséria, novas pessoas na miséria e até mesmo, bem vistas as coisas, pragas que não assolam apenas as vinhas no Douro, mas todo o 'reino', de Norte a Sul. As diferenças... para além das pragas, que agora são das que não vão lá com sulfatados dum químico qualquer (acho eu!), encontro-as precisamente nos empresários. Talvez esteja a ser injusto, pois fui buscar o melhor do século XIX e o pior do século XXI, mas aquilo a que me levou tal analogia foi a questão do patriotismo. Patriotismo este, que na perspectiva do do século XXI (cerca de 200 anos de evolução da espécie), resume-se a apelar a uma maior disposição para o sacrifício, quer dos seus empregados, quer mesmo dos seus 'clientes alvo'. Isso do 'tenho mais, ajudo mais' é coisa do passado, muito século XIX.


É certo que esta questão da fuga de capitais não é nova, e podia também ser levantada indignação contra o Continente ou a Optimus, contra a Galp, a PT e segundo o que pude saber, até mesmo, imagine-se, a própria Caixa Geral, aquele banco do estado. A questão é que, para o bem e para o mal, os súbditos do reino andam mais atentos, mais informados (muito século XXI...). São os efeitos da tal nova praga! Aos poucos as pessoas querem saber quem é que paga o quê afinal. Quem e de que forma contribui para sair deste ninho de ratos para onde fomos todos empurrados. Numa semana anunciam-nos um negócio de 2,69 mil M€, extremamente necessário para a nossa recuperação, na outra dizem-nos que nos escaparam das mãos 4,6 mil M€. E agora, o que é que vamos vender aos chineses só para cobrir esta diferença?

Também se lê muito por aí a defesa do outro lado, e até compreendo a sua argumentação: 'antes da Jerónimo Martins desistir do país, o país já tinha desistido dela...' - sim, pode ser um ponto de vista credível, se calhar também gostava de ter um regime fiscal que incidisse mais sobre os grandes rendimentos do que sobre as empresas, assim como por exemplo na Holanda, mas tenho algumas dúvidas acerca do regresso de Soares dos Santos, se eventualmente aparecesse por aí um governo, que na loucura começasse a taxar a sério as grandes fortunas – de resto, o argumento usado para não o fazerem é precisamente o medo de fuga de capitais... irónico, não? Mas independentemente disso, o que eu pretendo mesmo, é cometer a estupidez de comparar o Santinho com a Ferreirinha! Mostrar também esse ponto de vista ao seu clube de fãs, que até já relembraram a gigante preocupação social do empresário em actos como o de distribuir cerca de 12,5 milhões a mais de 50 mil empregados, ou o de garantir N postos de trabalho com esta atitude de se deslocar para os Países (dos) Baixos (impostos). 'Bota os olhinhos' aí na Ferreirinha, oh Santinho! Isso é que seria de facto preocupação social e patriotismo.

Por outro lado, segundo aquilo que li, a família Soares dos Santos não terá qualquer beneficio fiscal nesta operação. Há várias teses que se contradizem umas às outras, mas aparentemente a 'holding' que detém mais de 10% da Jerónimo Martins não pagava cá impostos sobre os dividendos e não passará a pagar na Holanda. Quando distribuídos os lucros à família, cada membro estava sujeito a uma taxa de IRS de 25%, taxa essa que parece ser igual na Holanda. Então, a confirmar-se, quais as razões para justificar esta debandada mesmo no último dia do ano? Supostamente por um mais fácil acesso ao crédito, mas este 'deixar de acreditar', este 'plano de crescimento que exclui o meu país', começa a ser evidente para qualquer um, confirmando e sublinhando o ponto de vista do representante máximo do próprio executivo. Em suma, aquilo que consigo perceber de tudo isto, é que, no mínimo, Soares dos Santos o que faz é desistir do futuro deste/neste país, semanas depois de apelar ao patriotismo dos quinhentoseuristas! Muito século XXI...!

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