segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O estado somos nós!


"Enquanto os demais resgataram os banqueiros e fizeram o povo pagar o preço, a Islândia deixou que os bancos quebrassem e expandiu sua rede de protecção social"

(escreveu recentemente o prémio Nobel da Economia Paul Krugman num artigo no The New York Times.)


A Islândia era, ainda há bem pouco tempo, a grande bandeira do liberalismo económico. Um país pequeno, à margem do pólo Norte, que até certa altura era falado apenas quando os seus vulcões fechavam o espaço aéreo, mas que dum momento para o outro se tornou num dos alvos preferenciais da emigração europeia, e não só. Jorrava dinheiro por todo os lados, e a um ritmo quase diário recebíamos relatos da grande prosperidade naquele país, mesmo quando contra a corrente mundial.
Até que viram que esse dinheiro, na verdade não existia. O Banco Central Islandês não oferece garantias após a queda de três dos seus principais bancos, e vê os investimentos internacionais dissiparem-se em debandada. Solução: austeridade imposta pelo já clássico 'resgate' do FMI (eu diria mais sequestro, fazendo minhas as palavras dum companheiro de luta). Consequência: queda do governo que adoptou as medidas!
Destituíram o seu governo nomeando um novo de coligação composta por partidos que nunca tinham tido representação no seu parlamento. Chamaram os responsáveis pela situação em que se encontram à barra do tribunal. Já por duas vezes que o NÃO ao pagamento da dívida privada ganha em referendo, transferindo essa responsabilidade para os próprios credores (nomeadamente a Inglaterra e a Holanda), e anulando a 'acção de bastidores' levada a cabo entre o FMI e a UE, obrigando-os a adiar e fraccionar o pagamento da dívida, assim como a baixar significativamente os juros desta (a tão mal afamada reestruturação). Começaram ainda a escrever a primeira Constituição sob mão do povo islandês, ao contrário da que está em vigor, escrita pela Dinamarca – esta Constituição não terá qualquer participação político-partidária.
Como resultado de tudo isto é esperado que comparando com a UE a Islândia triplique o seu crescimento em 2012 – de salientar que em vez do país retrair todas as formas de protecção social (como já tinha apontado no inicio do post, citando as palavras de Krugman), ainda as fortaleceu, mesmo com todos os cortes a que o orçamento foi sujeito, e não obrigou os mais desprotegidos a pagar a conta, como a troika fez aos 'parceiros na desgraça' gregos e nos está a fazer a nós. (lembram-se do 'país bandeira do neo liberalismo'?...)
Tudo indica que este país insular fechará as suas contas de 2011 com um crescimento de cerca de 2,1%, e em 2012 prevê um crescimento de 1,5%, quando é esperada uma estagnação generalizada da economia europeia. E poderá mesmo chegar aos 2,7% em 2013 (enquanto em Portugal é esperado 'o princípio do fim daquela parte que fica no meio' da crise, citando Ricardo Araújo Pereira).
Apesar de ainda serem detectados alguns vestígios de instabilidade, o desemprego começa a baixar, e imagine-se só, a sua dívida pública tem vindo a diminuir de forma considerável. Tudo porque fizeram das suas fraquezas forças, e criaram oportunidades no meio da crise financeira, instalada por inteira culpa da especulação que levou ao colapso daqueles bancos, deixando o pais bem perto da banca rota. Recusaram o resgate aos mesmos bancos, provando assim que é mais produtivo para uma nação deixar cair os bancos falidos, em vez de os salvar à custa dos sacrifícios dos que trabalham, e como tal, dos que sustentam a economia interna dum país.

Mas não ouvimos falar da Islândia nos mais comuns meios de comunicação. E pelos vistos, não só em Portugal, como em quase toda a Europa. Eu, que até tenho tentado manter-me a par do que por lá tem acontecido, 'vejo-me grego' muitas vezes para arranjar informação sobre este assunto. Já nem digo que os nossos media comecem a propagandear a Islândia como exemplo a seguir, em substituição do gasto e falhado modelo grego. A meu ver deviam era publica-los em igual escala, e o povo português logo decidiria o que pensar do assunto. Porém, enquanto andarmos drogados com mamas e nádegas de silicone, ou com estádios a arder, muita da culpa por esta informação não ser massificada também é nossa! Como já tinha há algum tempo elegido o caso islandês como o meu exemplo a seguir, resta-me insistir na publicação deste caso, a fim de fazer uma pequena parte por esta contra-desinformação (que aparentemente assumimos como natural), neste pobre país de 'lamurias profissionais de tasco, enquanto espeto mais um copo de tinto'.
Todos sabemos que a situação é dramática, e que tomemos o caminho que tomarmos, a recuperação não será fácil. Mas começa a tornar-se claro que a destruição dos nossos activos, ou o empobrecimento deliberado, propositado e tido como inevitável, não é o que nos vai levar à retoma, de forma alguma, e no final de contas chegaremos ao que chegou a Grécia, mais não seja por estarmos a adoptar exactamente as mesmas medidas. Os islandeses estão a dar-nos uma lição muito importante. Estão a dizer-nos alto e bom som que podemos definir o nosso futuro, em vez de delegar essa definição a meia dúzia de engomadinhos, confortavelmente alapados a centenas de quilómetros de distância do epicentro do terramoto! Que nos devemos negar peremptoriamente a cobrir os prejuízos de banqueiros e empresários com dinheiros públicos e que não nos devemos subjugar a medidas impostas a bem da Democracia: nenhuma decisão que afecte directa e negativamente o povo deve ser adoptada sem consulta do mesmo, e que este medo que nos impõem do 'bicho papão mercados' é falso. É um mito criado pela manipulação generalizada da informação... pelo menos eu não vejo mais nenhuma razão plausível que justifique o tremendo défice de tempo de antena que um país como a Islândia tem quando comparado, por exemplo, à Grécia.
Nada num Estado de Direito, absolutamente nada pode estar a cima desse mesmo estado! E o estado somos nós!

2 comentários:

  1. Somos demasiado mesquinhos para tão elevadas decisões. Pensamos sempre primeiro em nós e muito raramente nos outros, principalmente quando nos comprometemos com a causa pública. Esta é a nossa verdadeira tragédia.

    ResponderEliminar
  2. Olá, Maria, obrigado pelo comentário.
    Honestamente, duma maneira geral, acho que nem chegamos a ter consciência do que se passa à nossa volta. Não o suficiente, se quer, para nos comprometermos com a causa pública! A aliteracia política, para não dizer outras, em Portugal, amplamente promovida nestes quase 40 anos de Democracia, empurrou-nos para esta dualidade partidária, à qual, aparentemente estamos condenados, sabe-se lá por quanto tempo mais. E os sinais já foram vários. Não querendo particularizar, quer dos governos do PS, quer dos do PSD (coligado ou não), tivemos na história recente vários indicadores de incompetência e falta de sentido de estado, que bem nos poderia ter feito elevar ao ponto de tomar essas decisões – e sinceramente nem me parece que seja necessária assim tanta 'elevação', de tão elementar que é.
    Se realmente pensássemos em nós, nem que não pensássemos nos outros, já teríamos reagido de forma similar ao povo islandês. A questão é que a pouca informação que consumimos, vem maioritariamente dos noticiários televisivos, imediatamente antes duma dose industrial de analgésicos intelectuais, sejam sob a forma de reality shows, seja sob a forma de telenovelas, que nem dão tempo para raciocinar sobre o que se ouviu, assim como discuti-la e compara-la, a fim de lhe conferir ou não credibilidade – isto, sem querer entrar em demasiadas especulações sobre as razões que levam a comunicação social, duma forma geral, a bombardear-nos todos os dias com imagens da Grécia a ferro e fogo, e quase não ouvir-mos falar deste caso de (quase) sucesso.

    A versão oficial é que não é possível resolver esta trapalhada toda a não ser da 'forma grega', mesmo quando todos sabemos ao que aquilo chegou. Que não é possível dizer que não. Que nem se quer devemos saber o que estamos a pagar verdadeiramente – não será por acaso!

    ResponderEliminar